29.4.14

Vê-de lá

Hoje, em conversa corriqueira de café, lembrei-me de ti,
Lembrei-me das surpresas constantes que eram os nossos dias,
Das gargalhadas e humor, do teu sorriso deslumbrante,
De aventuras secretas, dos segredos de Estado,
em tempos que parecem tão longínquos mas não o são assim tanto,
em momentos que parecem tão fugazes mas não correram assim tão rápido,
em dias compridos e noites eternas,
numa vida isenta de preocupações, lotada de festas, recheada de álcool e cinema.

Hoje, em conversa corriqueira de café, lembrei-me de ti,
Lembrei-me da maneira singela como me controlavas,
Do teu olhar assustado à independência
De um diamante bruto que encontraste em casa
De gente alheia a esta vida,
Que era só minha,
E que por momentos se tornou tua,
Que foi nossa,
em tempos que parecem tão longínquos mas não o são assim tanto,
em momentos que parecem tão fugazes mas não correram assim tão rápido,
em dias compridos e noites eternas,
numa vida isenta de preocupações, lotada de festas, recheada de álcool e cinema.

Hoje, em conversa corriqueira de café, lembrei-me de ti

25.3.14

Corolário

É quando a noite chega, serena e arrebatadora, que todos os medos e pensamentos atormentam as demais almas que vagueiam em camas dispersas. A noite nada mais é que introspectiva do dia, e as noites dos dias, e a escuridão lunar da vida de todos nós, da tua vida que eu fiz minha e agora é nossa, com todo esforço e orgulho. 
Errar é humano mas contigo eu luto para não o ser, não quero ser humano, quero ser uma máquina que se molda a ti e tudo faz para te agradar e satisfazer. Contigo ambiciono ser perfeito, magnânimo. 
Mas perfeição não existe e de tanto querer ser perfeito, errei, porque por mais que queira, sou humano. Mas as máquinas perfeitas construídas por gente que desconhece a perfeição também erram, colapsam, bloqueiam, e para isso não há solução. Mas o ser humano possui a maior perfeição possível: colapsar, bloquear, errar, e para tudo isso ter solução: lutar. 
A força humana move montanhas, e eu, por mais perfeição que ambicione, não a terei, nunca. Mas força de vontade nunca me faltará quando o motivo para mover todas as montanhas deste mundo e do próximo és tu. 
É quando a noite chega, serena e arrebatadora, que todos os medos e pensamentos atormentam as demais almas que vagueiam em camas dispersas, e a minha não é excepção: o meu maior medo és tu, deixar de poder fazer da tua vida a nossa, de ter errado, bloqueado e colapsado. Mas eu amo-te, um amor que só o ser humano conhece, e dentro dele, só poucos têm a sorte de o sentir. 
Portanto, quando for noite e estiveres na cama a pensar nos medos e pensamentos que te atormentam, levanta-te, olha para a noite e pensa que, acima de tudo, da razão, da física, da lógica, existe algo para o qual não há matemática nem teoria: o amor, e que no meio da noite serena e arrebatadora, eu estou sempre a pensar em ti, e que lutarei por nós até não existirem mais montanhas neste mundo que é a vida.

25.2.14

Auto-retrato

Quero que saibas 
uma coisa. 

Sabes como é: 
se olho 
a lua de cristal, o ramo vermelho 
do lento outono à minha janela, 
se toco 
junto do lume 
a impalpável cinza 
ou o enrugado corpo da lenha, 
tudo me leva para ti, 
como se tudo o que existe, 
aromas, luz, metais, 
fosse pequenos barcos que navegam 
até às tuas ilhas que me esperam. 

Mas agora, 
se pouco a pouco me deixas de amar 
deixarei de te amar pouco a pouco. 

Se de súbito 
me esqueceres 
não me procures, 
porque já te terei esquecido. 

Se julgas que é vasto e louco 
o vento de bandeiras 
que passa pela minha vida 
e te resolves 
a deixar-me na margem 
do coração em que tenho raízes, 
pensa 
que nesse dia, 
a essa hora 
levantarei os braços 
e as minhas raízes sairão 
em busca de outra terra. 

Porém 
se todos os dias, 
a toda a hora, 
te sentes destinada a mim 
com doçura implacável, 
se todos os dias uma flor 
uma flor te sobe aos lábios à minha procura, 
ai meu amor, ai minha amada, 
em mim todo esse fogo se repete, 
em mim nada se apaga nem se esquece, 
o meu amor alimenta-se do teu amor, 
e enquanto viveres estará nos teus braços 
sem sair dos meus. 



Pablo Neruda